AstroClubeCunha

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terça-feira, 7 de maio de 2019

A Incrível História de um Telescópio

                                                                                    Gilberto Jardineiro
Meu nome é LX200 Classic, fui criado na linha de produção de uma fábrica de instrumentos, minhas lentes e espelhos são a minha alma e coração e quando vi a primeira luz de uma estrela passar pelo meu eixo ótico, descobri que o universo era meu território e destino para fazer a alegria dos homens. Embalado cuidadosamente, em viagem longa atravessei o hemisfério e fui levado às mãos cuidadosas de um avô no alto das montanhas de Campos do Jordão. Na minha chegada fui acolhido com muita alegria, orgulho e expectativa. Como membro da primeira geração de instrumentos robotizados, sou capaz de identificar, localizar e apontar milhares de astros e estrelas no céu e sei onde cada planeta está a cada momento, em qualquer época. Lá, servi por bom tempo e aos poucos fui descobrindo as maravilhas do céu do hemisfério sul, nas mãos hábeis e sedentas de conhecimento do meu amo e dono.
Certo dia, deixei de ser levado para fora, fiquei sem apontar para nenhuma estrela, nunca mais vi as crateras da Lua, os satélites de Júpiter, os anéis de Saturno. Meu espelho frontal, secundário, estava quebrado e havia sido removido. Meus dias estavam contados. Eu estava cego!  Encaixotado, desci a montanha e fui levado embora. Quando me tiraram da caixa, me vi decorando uma bela casa de praia numa cidade maravilhosa, sem função, sem espelho, sem poder enxergar. E num outro certo dia, voltei para a caixa e fui novamente levado embora.
Transportado, subi outra montanha, da caixa fui colocado num saco preto de plástico, encostado num canto de um depósito de tranqueiras. Esquecido, cego, sem espelho secundário, sem controle manual e sem a companhia dos acessórios, aos poucos fui sendo coberto pelo pó e achei que tudo tinha se acabado. 


Quando saí do saco preto e minha poeira começou a ser retirada, percebi que estava sendo cuidado por mãos amigas, que sabiam me tratar. Novamente na caixa, novamente na estrada e quando percebi, estava em ambiente conhecido, cheio de imagens de astros e estrelas nas paredes, telescópios no saguão, a ficha caiu, eu estava num observatório!

Fui desmontado com esmero, engrenagens lubrificadas com molykote, capacitores trocados, circuitos restaurados, sistemas calibrados com competência e dedicação, me senti voltando à vida quando o primeiro pulso elétrico percorreu meus circuitos. 

Até que um dia acordei de verdade, enxergando tudo, meu espelho secundário refeito e instalado, eixo ótico colimado, eletrônica restaurada, acessórios e controle manual  disponíveis, pronto para reencontrar o universo.
Caixa, última viagem, montanha, ar puro e transparente, céu escuro forrado de estrelas, instalado a céu aberto numa plataforma em Cunha, quando a primeira luz da Lua passa pelos meus espelhos e percorre o eixo ótico até o plano focal, percebo que agora estou em casa, de volta à vida, na companhia das estrelas, planetas e maravilhas do universo. De volta ao meu destino, para a alegria dos homens. Lar doce lar!


Gilberto Jardineiro, astrofotógrafo e astrônomo amador
- execução de projeto, texto e fotos
Adilson Fernandes Dias, engenheiro
- restauro eletrônica, calibragem e manutenção, fotos eletrônica
Pedro Francisco Lavado Hidalgo
- confecção espelho secundário e alinhamento placa corretora
Silvio Fazolli, engenheiro
- produção e apoio
Alexandre Rebouças
- proprietário