De Volta à Luz das Estrelas
a recuperação de um telescópio
Em tempos de crise, dólar alto,
imposto duplicando o preço dos importados e com nossas poucas lojas virtuais de
acessórios astronômicos fechando, é enorme a dificuldade de aquisição de
equipamento básico de qualidade para observação astronômica e astrofotografia e
fiquei empolgado ao descobrir encostado aqui em Cunha no sitio do meu amigo Zé
Luiz, um telescópio de porte, lindo tubo ótico branco de 1,5 m e 20 cm de
abertura, montagem equatorial e tripé-píer de cor laranja bastante atrativo.
Havia chegado às suas mãos em troca de uma caixa de vinho português, construído
numa oficina no Planetário de São Paulo, o espelho polido pelo próprio dono, e
usado num sítio no interior por bastante tempo até que foi substituído por um
telescópio eletrônico. Daria para recuperar? Poderia voltar a nos contemplar
com imagens celestiais?
Sem acessórios, nele nada se via,
eixo ótico desalinhado, espelho comprometido, montagem com folgas nos eixos,
marcas de uso por todos os lados. Em casa, sem hesitação, fui direto ao coração
do instrumento, o espelho primário. Soltei os parafusos que prendiam a célula
de madeira no tubo e logo confirmei o estado deteriorado do espelho, com
presença de fungos. Desmontado e
embalado, o espelho foi enviado a Belo Horizonte para avaliação e re-aluminização
muito bem sucedida pelo professor Bernardo Riedel, que também forneceu o
espelho secundário oval.
Para participar do trabalho de
restauração, foi convidado o astrônomo amador e ferramenteiro aposentado,
exímio construtor de acessórios e adaptadores para telescópios, amigo e
parceiro astronômico, o Pepe, que acabou resolvendo todos os problemas
mecânicos.
Para substituir o
antiquado focalizador de pressão, de bitola mirim 0,965”, foi instalado um
focalizador maior, de bitola 1,25”, com cremalheira para permitir ajustes finos
e facilitar a observação
A grande projeção externa do novo
focalizador trouxe o ponto focal para fora e o espelho primário teve que ser
reposicionado mais adiante no tubo. Foi feita a retirada de 15 cm de excesso,
encurtando o tubo para 1,35m
Foi dada especial atenção à outra
crucial parte do telescópio, a montagem e o tripé, o mecanismo capaz de apontar
para qualquer ponto do céu com estabilidade, sem vibração. Felizmente não foi
encontrado nenhum eixo danificado e as folgas foram eliminadas com ajustes e
lubrificação. Com o tubo e o contrapeso balanceados, o telescópio pode ser
mantido em posição com apenas um leve aperto das travas
Desmontada e submetida à limpeza
completa, a célula de madeira do espelho primário foi impermeabilizada para
proteção contra umidade. A adaptação do novo focalizador exigiu o alargamento
do furo no tubo ótico.
Pelo peso e tamanho, foi
fundamental a substituição dos rodilhos para facilitar a locomoção e o
posicionamento do instrumento.
Para facilitar a operação e
melhorar a pontaria, foi instalado um apontador de laser verde para a primeira
aproximação e uma buscadora provida de retículo para a centralização do objeto
no focalizador
Sistema ótico refeito,
focalizador novo, para explorar o potencial e assegurar desempenho compatível,
foi disponibilizada uma maleta com oculares de 4 distâncias focais diferentes e
um filtro polarizador ajustável para observação lunar
Finalmente, recuperado, na
primeira brecha no céu chuvoso de verão, o belo instrumento viu sua primeira
luz apontado para a Lua. Balanceada e
alinhada com o polo sul geográfico, a montagem equatorial permite com
facilidade o reposicionamento rápido e constante do objeto na ocular. Com o eixo
ótico colimado, produziu imagens lunares nítidas, com bom contraste mesmo na
claridade da tarde, provando excelente configuração e sucesso no processo de
polimento e re-aluminização do espelho primário.
Depois de muito tempo encostado e
3 meses de recuperação, de volta à vida o telescópio está pronto para retornar
ao sítio do meu amigo Zé Luiz. A um custo abaixo de mil e quinhentos reais, foi
recuperado um instrumento que tem como similar telescópios acima da faixa de
três mil reais. Além do benefício do custo, a distância focal longa, de 1,30m,
confere a este instrumento boa capacidade de magnificação e a razão focal f/6.5
a habilidade de produzir claras e nítidas imagens planetárias. Resta aguardar a
chegada do frio para por à prova seus atributos e comemorar com champanhe sua
volta à ativa no início da temporada de observação, com a chegada do frio, no
céu escuro de Cunha.
Gilberto Jardineiro